Sonhos Platônicos

quarta-feira, fevereiro 07, 2007

Grande Dia...


Abriu os olhos e pensou:

“Hoje é o grande dia!”

Levantou-se da cama bem disposto. Não se lembrava da última vez em que acordara tão bem. Foi ao banheiro e, para a figura que olhou-o de volta do espelho disse, empolgado:

- Hoje é o grande dia!

Tomou banho e barbeou-se como se estivesse se preparando para uma grande festa. A loção pós barba nem ao menos fez-lhe cócegas. Sentia o coração bater no peito, na ponta dos dedos das mãos, dos pés, no cotovelo, joelho. O corpo inteiro pulsava num ritmo cadenciado, rápido, apressado. A adrenalina que lhe percorria as veias fazia-o sentir-se grande, completo, invencível.

No quarto, vestiu a melhor roupa de trabalho que tinha, reservada para uso apenas em reuniões importantes, com clientes importantes. Terno: calça e paletó pretos risca de giz, camisa branca e gravata lilás, listrada. Calçou o sapato preto e abriu a gaveta de perfumes. Escolheu o melhor e mais caro: Francês, trezentos reais o vidro médio, cem mililitros. Uma borrifada no pescoço, uma no pulso e uma no corpo. Não queria exagerar.

Já na cozinha, esquentou o café rapidamente e bebeu de um gole. Correu para a sala, pegou a pasta, a chave do carro e dirigiu-se para a porta. A chave no trinco, parou. A cabeça deu a volta pela casa procurando algo que possivelmente havia sido esquecido. Voltou à cozinha e pegou um chiclete: Para o hálito. Abriu a porta e dirigiu-se ao elevador. Segundo subsolo, garagem. Entrou no carro, deu partida e saiu.

Na rua, o trânsito o irritava além do normal. Queria chegar logo, não podia perder a hora. Olhava constantemente para o relógio no pulso, uma peça antiga, que pertencera a seu avô e que há alguns anos fora-lhe dada pelo pai como presente de formatura, quando terminara a faculdade de engenharia. Lembrou-se do ar de dúvida do pai quando lhe dera o presente, meio que não sabendo ao certo se lhe era merecido.

O rádio do carro tocava um rock’n roll contagiante quando entrou no estacionamento do edifício onde trabalhava. Parou o carro na vaga de costume e esperou. Olhou em volta e não encontrou o que procurava. Suspirou aliviado: Estava adiantado. Nos minutos que se seguiram, seus pensamentos viajaram por uma infinidade de possibilidades, tentando formular na cabeça as cenas que, esperava, aconteceriam a seguir. Imaginava a coisa toda de mil formas diferentes e seu eterno otimismo teimava em pintar cada uma delas de cores invariavelmente impossíveis.

A ansiedade estava a ponto de tornar-se em desespero quando tudo começa a acontecer: O Palio prata, ano 2004 modelo 2005, quatro portas e motor total flex, entra lentamente pelo portão mecânico da garagem. O frio na barriga é tão intenso que lhe parece congelar a alma.

O carro pára.

Ele desliga o som e abre a porta.

Alguns segundos e a motorista do Palio sai do veículo. Terninho preto, camisa branca, o cabelo amarrado atrás, formando um rabo de cavalo, óculos de armação grossa, preta, pasta na mão.

Ele caminha lentamente até o elevador e aperta o botão.

Ela demora um pouco. Alguns segundos, uma eternidade. Seu perfume a precede. Um francês: Trezentos reais o vidro de cem mililitros.

- Bom dia!

- Bom dia!

O elevador chega e os passageiros embarcam. Ela aperta o doze. Ele o dezessete.

Dez segundos. Um mundo de possibilidades.

- ...

- ...

A caixa de metal pára.

- Tchau!

- Tchau...

Um grande dia.