Sonhos Platônicos

terça-feira, fevereiro 20, 2007

Hora Certa...


- Eu acho que é uma característica bem minha mesmo, esse negócio de perder as esperanças... – Ela disse, fitando o céu nublado sobre suas cabeças.

- Mas porque você pensa isso?

Ele tentava encontrar naquele olhar algo que lhe transmitisse mais do que simples desencanto. Ela continuava a fitar o céu, como se não tivesse percebido a pergunta. Ele sentiu uma certa exasperação frente a tal descaso, mas com um pouco de esforço conseguiu conter-se: Já acostumara-se com aquele ar distante que ela assumia quando estavam sós. Abaixou a cabeça e esperou, mirando uma fila de formigas que andavam ordenadas pelo chão. Quis ter alguém consigo.

- Não sei... – Ela finalmente respondeu – às vezes eu penso que tenho certa propensão a perder as esperanças nas coisas, nas pessoas. Nos relacionamentos. Não é nada com você, é comigo. Eu sou o problema.

Levantando os olhos percebeu que ela o observava. Em seus olhos não conseguiu ler absolutamente nada: Eram olhos de vidro. Ele sorriu. Ela perguntou:

- Você está rindo do que?

Subitamente toda a situação adquiriu para ele um humor inacreditável. Desatou numa gargalhada incontrolável que a deixou com um semblante assustado. Ele pensou em tantas coisas que poderia dizer nesse momento e agora nada de realmente interessante lhe vinha à mente. Só conseguia mesmo achar tudo aquilo muito engraçado. Ela voltou a olhar para o céu, pensativa.

- Eu acho que vai chover.

Ele tentava se recompor, enxugando o rosto. Olhou para o céu franzindo o cenho.

- É verdade.

Ela o olhou. Os olhos negros vasculharam cada centímetro de sua alma. Ele sentiu aquele olhar como se um holofote fosse colocado em sua direção. Seu calor percorria-lhe o corpo. Sentiu de repente que era hora. A hora certa.

Perdeu-se por completo de qualquer sentimento de orgulho e desnudou-se por completo. Aprisionou-lhe os olhos nos seus e disse-lhe, sem pronunciar palavra, aquilo que ela precisava (merecia?) ouvir. Resgatou a flor que no chão se encontrava trazendo-a de novo à lapela. A montanha sobre seus ombros jazia destroçada.

Mais forte que ele, sempre o fora, ela desviou o olhar. Olhava para o chão e ele soube que naquele peito algo ainda se movia. Pensou em dizer algo, mas a hora certa, assim como viera, fora-se. Talvez para sempre. Pôs-se de pé e, dando-lhe as costas, deixou-a sem olhar para trás.

Dos olhos baixos algo escapou para o chão.