Sonhos Platônicos

quarta-feira, agosto 23, 2006

Uma música...


"A tristeza é senhora (...)”.

Suas lágrimas estavam presas nos olhos, há tempos seu pranto não se tornara canto.
Deveras a moça tinha coração de poetisa. Rimava tristeza com primavera e isso quase resultava em jazz. Se brilhasse desejaria ser estrela de forma que seu reflexo a deixasse cega. Cândida escondia-se no silêncio das relações e assistia as pessoas de um lugar privilegiado: o palco, nele também apresentava suas inúmeras personagens. Não era atriz, era moça. Enquanto ficava por de traz das cortinas vermelhas, dançava, rodopiava pelo palco - sem música mesmo - sentia os compassos, imaginava as pausas, os acordes rolando e acordando para a bailarina que de novo rodopiava e quase cantava. Após alguns instantes de exaltação as cortinas se abriam e imediatamente cordas eram presas em seus pulsos e alguém - um ser indescritível - controlava suas falas, seus sorrisos e o piscar dos olhos. A platéia não prestava muita atenção, de vez em quando alguém tentava entender o que se passava, mas logo desistia, pois os olhos fundos que armazenavam tanta dor, afugentavam qualquer aproximação. O olhar tornara-se uma forma de defesa, onde guardava dores de todo o mundo.
Cândida prestava atenção no público, desde os casais até as comadres que de quando em quando, feito gralhas soltavam gargalhadas e a fazia imaginar tempos em que a liberdade fosse prioridade e o amor, romântico. De certo uma relação estranha, a farsa era tamanha e os rios de sorrisos pareciam gravados, mas isto era o que Cândida achava ser felicidade. Controlada e conseqüentemente insegura de seus atos imaginava como seria ser livre e ao invés de no palco estar pudesse ao menos se sentar na última fileira. O que lhe deixava inquieta e repleta de dúvidas era saber quem assumiria o seu lugar, afinal assistir não é uma tarefa fácil, há um punhado de regras e trejeitos que compõem o espetáculo de figuração.
Em uma de suas exaltações antes do espetáculo, Cândida caiu, bateu a cabeça e desmaiou. Enquanto estava lá, estendida no chão, sonhou estar em um anfiteatro (o mesmo que se apresentara) assistindo a própria vida. De súbito ficou estagnada e as lágrimas claras sobre a pele escura invadiram a sua face, o choro sufocou e em um soluço ela acordou. O primeiro sinal para o início do espetáculo soou e simultaneamente ela cortou as cordas, todas elas e trancou em uma pequena sala o “Senhor Controlador”, após alguns outros sinais as cortinas foram arrancadas pelas pequenas mãos de Cândida e a moça da forma mais bela e sublime dançou: seus passos traduziram notas musicais, sua voz cantou a dor e de seu encanto surgiu o amor que fora esquecido lá fora, no frio, mas que seus vorazes sonhos trouxeram à tona algo sublime, bonito, algo que apavora a solidão. Daí já não existia palco e platéia, restava apenas o filho de Cândida: “um samba”.

“(...) O samba é o filho da dor. O grande poder , transforma (dor)”.