Sonhos Platônicos

domingo, agosto 06, 2006

Vencido Ser...


Desde o início, eu já sabia que não daria certo. A consciência, voz imortal, sabedoria divina afogada em pensamentos humanos, avisava-me que seria assim: que meu destino era estar aqui hoje, sozinho a observar a Lua cinzenta que já vai alta no céu. O grande satélite e a folha em branco minhas únicas companhias. A teimosia alimenta-se de esperanças ilógicas e nos leva a pensar isso, imaginar aquilo, esperar e esperar, enquanto o veículo da vida se move desgovernado rumo ao inevitável.

Cruzávamos quase todos os dias e meus olhos de longe procuravam os seus, desesperados. Ela demorava uma eternidade para perceber-me a presença, e finalmente quando o fazia, a recompensa pela espera era o mais belo sorriso que um rosto humano jamais poderia expressar. Naqueles poucos segundos meus pensamentos confundiam-se, as palavras fugiam e eu nunca sabia o que dizer, o que fazer. Nos afastávamos e o depois era sempre doloroso, pois sua ausência deixava um vazio, preenchido apenas pela exasperante lucidez que fazia-me odiar a outrora falta de palavras.

Nos falamos poucas vezes, mas sua voz sempre foi diferente. As vogais e consoantes que lhe escapavam dos lábios, eram como borboletas coloridas que voavam e me enchiam as voltas, dando vida ao meu universo sem cor. Os momentos intermináveis em que estava sem ela, foram aos poucos se transformando em agonia insuportável, e eu já não sabia mais pensar, falar, ouvir, nada que não tivesse seu rosto, seus ouvidos, sua voz.

Vencido estava eu desde o começo. Nunca fui se quer uma aposta. Quando resolvi lhe entregar o que crescia em meu peito, o fiz por não suportar mais a dor, suspeitava que se com um bisturi abrissem-me o peito, pétalas de flor com seu nome escrito em sangue, meu sangue, saltariam pra fora, inundando o mundo. No momento em que falei as primeiras palavras, vencido estava e vencido estou, agora e sempre. Só, me resta a Lua, as poucas estrelas no céu e o papel em branco, rendido.