Sonhos Platônicos

quinta-feira, maio 04, 2006

Festa de Aniversário Parte II


É, tá grande mesmo eu sei. Não se assustem não. Ela merece...

Muitos de vocês podem estar pensando: “É muito fácil mudar a história quando bem entender, manipulando-a para que termine da maneira que se deseja. Isso não faz com que ela passe a fazer sentido. Na verdade isso só prejudica o bom entendimento da mesma”. Bom, devo confessar que entendo perfeitamente aqueles que pensam dessa maneira. Sei que muitas pessoas simplesmente não conseguem apreciar histórias nas quais não vejam sentido em cada passagem. Aqueles que, como eu, apreciam muito mais o espírito, ou o significado transcendental das palavras no papel, podem encontrar nessas pessoas um enorme grau de falta de sensibilidade. Eu peço, no entanto, caros amigos, que não pensem dessa forma, que não se curvem ao preconceito e muito menos à intolerância. Algumas pessoas precisam entender a mágica da vida para poder senti-la e isso não é de todo ruim. Resistir a acreditar no impossível deve ter alguma utilidade. Não sei dizer ainda qual, mas deve haver.

De onde teria vindo aquela ligação telefônica? Quem seria o intruso misterioso que inesperadamente surgiu nas linhas da história de nossa solitária personagem, que apenas por ser única pode ser chamada principal? Vamos às respostas.

Ouvido encostado à porta ele escuta atentamente os sons vindos do outro lado. A madeira fria é a barreira que lhe separa a vida de sua cor: A primeira aqui fora, desesperada por entrar e a segunda lá dentro, presa no colorido castanho dos olhos daquela que canta “Parabéns pra Você” ao telefone. Ele percebe, não sem violenta palpitação, que o momento crucial, o clímax de seu estratagema se aproxima. O dedo sobre o botão da campanhia formiga num misto de excitação, medo e ansiedade. A dúvida que lhe atormenta é enorme pedra de gelo dentro do estômago. Seus pensamentos são levados ao começo de tudo, àquele segundo perdido num passado aparentemente longínquo, quando avistara pela primeira vez o par de olhos castanhos que desequilibrariam num passe de mágica a cadência segura dos pulsares do seu coração. Fora seu último segundo de felicidade. A partir daquele momento descobrira, desolado, o significado da palavra solidão.

Voltou para casa hipnotizado pela visão que tivera. Ao entrar, fechou a porta atrás de si e foi como se tivesse mergulhado num oceano desesperadamente pacífico, noite escura, água gelada e o vazio cercando-o por todos os lados. A solidão que sentia era tão real que quase podia agarrá-la com as mãos. Sua onipresença não lhe deixava refúgio, estava em todos os cantos do quarto, da sala, da cozinha, do prédio, do mundo. Imaginou que jamais seria completo de novo se não tivesse aquela mulher, porque ela, mesmo sem o saber já o tinha.

O coração é o único que tem poder verdadeiro pra mudar uma pessoa. Ele conhece os pontos fracos, os lugares certos e principalmente os errados e é neles que cruelmente coloca suas armadilhas. Tornou-se então a antítese do que havia sido até então. Passou a viver a vida dos introspectivos, vendo um mundo que só seus olhos viam e sonhando passeios de dedos entrelaçados, conversas intermináveis ao telefone e abraços apertados de não querer largar.

Descobrir onde moravam os olhos castanhos não foi mais difícil que descobrir seu telefone ou ainda o dia do seu aniversário. O “como”, não faz diferença. O que realmente importa é a decisão, a iniciativa. Só quem ama ou já passou por uma experiência de amar sabe disso. Quantos amores não viram a luz da realização e morreram antes mesmo de começar, pela maldita falta de iniciativa? Coragem de dizer o que se sente é moeda rara.

A decisão veio repentinamente como, aliás, a maioria das grandes decisões vêm. Precisava chamar atenção, mostrar que estava ali. Ele percebia a profunda tristeza que residia por trás daqueles olhos e o desejo de se mostrar presente camuflava na verdade uma imensa vontade de ajudar, de dar cor, de fazer reluzir um fio de felicidade naquela vida que lhe parecia tão escura. Sua imaginação, cheia de habilidades, tentava desesperadamente criar uma forma de estabelecer contato.

Em cima da mesa havia um papel de propaganda que encontrou colocado sob a porta de entrada pela manhã. Distraído alcançou-o, começou a ler o que estava escrito e, súbito descobriu o que fazer. Pegou o telefone e discou o número indicado. A operadora atendeu e ele fez o pedido: na tarde do dia especificado, uma certa pessoa receberia num telefonema, uma mensagem de feliz aniversário.

Seu plano, no entanto, não pararia por ali. Ele queria estar lá quando ela recebesse o telefonema. Queria dar-lhe o buquê de flores que nunca recebera, devolver-lhe o abraço que lhe pertencia e dizer-lhe que era só com ela que queria escrever as futuras linhas de sua história. Desejava mostrar-lhe em palavras e principalmente em gestos, que a vida sem ela tornara-se um vazio de solidão interminável.

E agora cá estamos. Numa posição privilegiada observamos a cena. Buquê de flores em mãos, nervosismo dissolvendo-se em gotas de suor que lhe escorrem pela testa e o coração em incontroláveis convulsões de desespero, ele espera a hora certa. O momento se aproxima. Já pode sentir a felicidade. Sua proximidade é tamanha que uma certeza de que poderia agarrá-la se esticasse as mãos através da porta fechada, o faz querer apertar o botão o mais rápido possível. Do outro lado, a música acaba. As palmas cessam de bater. No silêncio carregado de emoção, o som do clique do fone sendo colocado no gancho é o sinal claro de que precisava. É agora.

Por um instante ele pensa em desistir. Um instante apenas de terror que passa na velocidade de um suspiro. O dedo sobre a campainha faz a pressão. Ouve-se lá dentro o soar dos sinos de seu julgamento. Pensa em fugir, mas sabe que agora é tarde, não há mais volta. Alguns segundos e passo hesitantes se aproximam da porta.

“Quem é?” – Uma voz cheia de dúvidas pergunta.

Ele diz-lhe seu nome. Ela o conhece é claro, e isso só a impele mais fortemente a perguntar:

“Você? O que foi? Algum problema?”.

Ele explica que precisava falar-lhe apenas. Era importante.

“Tudo bem. Só um minuto”.

Vagarosamente a porta se abre. Uma mão, fios de cabelo, um rosto. Nos incríveis olhos castanhos, a desconfiança.

“Pois não?”.

Ele mostra os presentes que trouxe.

Primeiro o buquê de flores.

Depois, o coração.

Surpreso, uma mão o convida a entrar.

Um simples passo que o leva pra dentro do sonho, transmutado em doce realidade.


FIM!!!