Sonhos Platônicos

sexta-feira, abril 14, 2006

A Flor...


Bom, esse aí é um sonho que andei pensando nos últimos dias. Fazia um tempo já que não postava nada. Estava com saudades. Espero que gostem...

Acordei bem cedo, inquieto. Saí pra rua buscando orientação. Andei sem destino por ruas e vielas conhecidas com meus olhos vendo o desconhecido. Não entendia o que me estava acontecendo. Percebia coisas que até então passavam-me desapercebidas. Não me lembrava de nada daquilo. A peça era a mesma, mas os atores, seus figurinos, suas falas, não eram. Algo havia mudado neles. Mas o que? Não sabia, não entendia. Andei por horas assim, sabendo onde estava, mas estranhando o jeito como o mundo se mostrava a meus olhos. Faltava esperança, cor.

Vi num farol um pobre menino pedindo dinheiro, quando deveria na verdade estar longe dali, brincando e correndo em direção a um futuro vivo. Na calçada ao meu lado, um homem jazia deitado. Inconsciente, sonhava sonhos afogados em um oceano de álcool, povoado por monstros mitológicos que engoliam os restos de sua dignidade. Onde estava o sonho? Onde estava aquele doce aroma de liberdade que o vento costumava soprar no meu rosto?

Eu procurava, mas a resposta não achava. No rosto da velha senhora vi apenas desilusão pelas batalhas perdidas no decorrer de uma vida povoada lutas. Vi armas de fogo queimando vidas inocentes que choravam misericórdia.
Súbito descobri o que ocorria. A verdade atropelou-me tal qual um trem desgovernado, me despedaçando. Percebi que estivera cego. Não física, mas espiritualmente. Meus olhos físicos enxergavam perfeitamente, eram os olhos do coração e da mente que estavam cegos. Cegos para a realidade que em desespero dançava à minha frente. O mundo chorava diante de mim implorando por carinho, por atenção. E é assim que ele faz todos os dias. As pessoas não percebem, não ouvem o clamor, ocupadas que estão com seus próprios problemas. Esquecem-se que o mal é sempre coletivo.

Decidi que era preciso dar atenção ao nosso lar, às pessoas que habitam nele, perceber suas lágrimas, mostrar-lhes que me importava e que estava curado de antiga indiferença.
Olhei em volta e encontrei o que procurava. Entrei na loja e num impulso comprei uma flor para dar ao mundo. Era linda minha flor. Em suas pétalas rosadas escrevi versos cheios de esperanças que guardava escondidos bem fundo em meu coração. Em seu perfume camuflei o doce aroma de liberdade dos ventos que dançam entre os troncos das árvores do campo. Em seu caule, forjei a sustentação que protege e dá forças para suportar as fortes tempestades de desilusão que destroem vidas, arrancando-lhes a vontade de viver. Em suas folhas, salpiquei o fresco orvalho da madrugada para aliviar as dores das perdas, dando coragem para se levantar e da luta não desistir jamais. Finalmente, em seus espinhos escondi a mais poderosa de todas as armas contra o predador da violência e da ignorância: A palavra.

Sai da floricultura com meu pacote em mãos. Ansioso, queria encontrar um lugar bem alto onde pudesse entregar ao vento a flor que daria ao mundo para que ele, o vento, a levasse ao seu destinatário. Encontrei meu lugar perfeito no terraço do prédio mais alto da cidade. Enquanto subia as escadas, imaginava como seria recebido o meu presente. Como aquele à quem destinava singela prova de afeição, de carinho, reagiria. Queria que ele entendesse que meu gesto mostrava que ali encontrava-se um alguém que se importava, que tinha sonhos e que estes não incluíam apenas o próprio bem estar, mas o bem estar do todo também.

Cheguei ao meu destino. Com o coração aos berros, como que desejando escapar de dentro do peito, dirigi-me vagarosamente à beira da amurada. O vento, meu mensageiro, cortou-me o corpo inteiro viajando rápido, na pressa de chegar ao fim das coisas. Segurei a flor alto sobre a cabeça e, após uma pequena prece, larguei-a. Em segundos vi-a alçar vôo rumo ao horizonte, perder-se no infinito, voando segura nos braços daquele a quem confiei a entrega.

Não sei se o mundo recebeu meu presente. Não sei qual foi sua reação. Hoje, ao andar pelas ruas, ainda vejo as mesmas coisas que vi aquele dia. As mesmas injustiças, a mesma falta de esperança. Tenho consciência de que eu sozinho não posso mudar um mundo inteiro, não está em minhas mãos esse poder. O mal é sempre coletivo e dessa forma, o bem também deve ser. No entanto, ao descer as escadas do prédio de volta à minha vida e à realidade, me senti realizado, pois descobri que é nos simples gestos individuais que se esconde o caminho para a solução, para a cura. Um ato de carinho, por mais humilde que seja, jamais será perdido ou esquecido e é a sua lembrança que poderá um dia encher de luz a escuridão que encontramos nas ruas e vielas do mundo.

Basta começar...



Abraços a todos!!!