Sonhos Platônicos

sábado, maio 13, 2006

Subway Story...


Início de noite. O olho no relógio vê que para as sete, meia hora. Na cabeça, contas rápidas sugerem calma, vai dar tempo. Os segundos nos ponteiros dizem não, passam rápido, urgentes.

À volta, rostos cansados pedindo casa, família, jantar, televisão, cama. Sinto uma certa cumplicidade por eles. Entendo seus desejos por saber que são também os meus. A viagem para casa é sempre longa. A ansiedade de chegar torna os passos grandes jornadas.
O trem chega trazendo alívios de “Até que enfim!” e a lufada de ar que me atropela é brisa para o meu rosto cansado. O carro pára e a porta se abre bem à frente (acertei de novo!), de dentro o ar gelado do ar-condicionado é arrepio nos meus braços. A multidão represada do lado de fora inunda o espaço aberto e em poucos segundos somos um com o trem em movimento, respirando o mesmo ar gelado que não demora em tornar-se fogo à nossa volta.

Com uma das mãos me esforço em alcançar o livro dentro da bolsa. Ele vem fácil e de suas páginas vejo saltar um mundo que me encobre os olhos, vestindo a realidade de poesia. Vivo agora nas palavras apaixonadas do amor eterno de Florentino Ariza por Fermina Daza e de lá a vida de outrora me parece distante, sem graça.

Sou despertado de repente pelo abrir de portas do vagão. Estação Consolação. Mais pessoas se espremem trem adentro, tornando o espaço ainda mais desconfortável e o ar, rarefeito. Em meio à confusão, mau a percebo entrando e quando dou por mim, lá está, parada bem à minha frente. Nossos olhares se encontram, em meio a tantos outros. Um segundo apenas que lentamente se transforma em dois e um sorriso envergonhado ao qual, encantando, não resisto: Desvio o olhar. Sinto seus olhos sobre mim e o medo rapidamente transforma-se em terror. Desespero por não saber o que fazer, como reagir.

Finjo estar lendo, mas as palavras se embaralham no papel. Tento, mas não consigo mais encontrar refúgio nas páginas que me parecem agora uma confusão de letras sem sentido e meu autocontrole é traído pela enorme atração que aquele olhar exerce. Volto a fitá-la e a percebo tentando descobrir o adversário que conseguiu, mesmo que por alguns segundos, manter meus olhos longe dos seus. Levanto um pouco o livro para que ela possa ver com mais facilidade, em sua capa azul, que meu amor vive nos tempos do cólera.
Mais um encontro de olhares.

Mais um sorriso.

O brilho das estrelas de repente começa a fazer sentido.

Estação Trianon. O sorriso se desfaz. O encanto evapora. O coração chora ao vê-la sair, abandonando para sempre as linhas da sua história. Um último esboço de reconhecimento ao vê-la subir as escadas rolantes. As portas se fecham, o trem parte veloz. Do paraíso, à frente apenas a estação.

O livro se abre e de letras brotam sonhos. No relógio, minutos e segundos brincam de pega-pega.



Abraços a todos!!