Sonhos Platônicos

sábado, novembro 25, 2006

... o que importa ...


Os olhos embaçados vêem o mundo girar à sua volta. A graça está em toda parte: da cor do céu ao cheiro da madrugada.

- Cara, você tem certeza que ta bem pra dirigir? Acho melhor eu levar o carro...

- Não! Eu tô bem, larga mão! Nunca me senti melhor!!!

As risadas saem descontroladas, carregadas de uma falsidade tão real que a ninguém contagia. Os outros olham-se por um instante: “Que se dane!” É o que os olhares dizem após um segundo de hesitação. As gargalhadas agora são gerais. Todos riem. Sabem que na manhã seguinte de nada se lembrarão e a certeza lhes confere um sentimento de poder: Poder fazer o que se desejar fazer. Invencibilidade imaginária. A vida na lata do lixo do subconsciente.

Gira-se a chave, o motor desperta. O tranco da guinada é forte e os passageiros gritam, algazarra total. Os pneus cantam alucinados e o carro parte veloz.

As luzes da rua passam rápido nas janelas. Quem se importa? A alegria proporcionada por aquele momento importa. Viver importa? Talvez. Não agora. Sim. Esse é o momento em que não se pára pra pensar nessas coisas. Ou em qualquer outras. Não se pensa, se age. E se ri: Muito.

A lua vigia de cima o veículo em movimento e em seu cuidado preocupado, tenta iluminar o caminho. A rua está deserta exceto por alguns vultos cobertos em mantos de escuridão espalhados sob os toldos das lojas fechadas. Dentro do carro o redemoinho de escuridão e seu hospedeiro bloqueiam a razão. A mão no volante esqueceu-se do sentido do verbo e o dirigir nunca esteve tão longe do guiar. Quem se importa?

A música alta no rádio termina.

- Põe outra música aê!

- Isso, troca essa porcaria!

O passageiro ao lado do motorista procura no player atender aos pedidos. São tantas as vozes que ninguém ouve ninguém e a algazarra termina, como sempre, em discussão. Confusão. Xingamentos. Empurrões. Na rua, um asfalto repleto de falhas desfaz linhas retas, confunde horizontes.

A seqüência de fatos se descortina rápida demais. Uma série de causas, como peças de quebra-cabeças, juntam-se construindo uma única conseqüência óbvia, irremediável.

Os olhos embaçados vêem o mundo girar. E ele gira mesmo. Quem se importa?