Sonhos Platônicos

sábado, outubro 14, 2006

Ternos medos

Os minutos passam, as horas voam. O tique taque do relógio faz com que o jogue contra a parede. Está envolta num abismo de sonhos e pensamentos, sente-se perdida no oceano sem saber para onde os ventos a levarão.

Fica remexendo no passado próximo, vivendo das mais ternas lembranças e tentando decifrar o motivo para o seu vazio. Olha para o passado, para as brigas que tivera com as amigas, os desentendimentos que deixaram como marca anos de silêncio com os seus irmãos, as noites de choros bolando o plano perfeito para a sua morte quando ainda era criança. Com um doce e angustiado sorriso lembrara dos seus amores platônicos, dos nunca correspondidos, sofrera tanto quando desabrochara para o amor, o tapa dado na cara do menino que sentiu pela primeira vez a paixão, o sentimento triste das promessas feitas por ela mesma para ela. Não se envolveria com ninguém até completar dezesseis anos, o estudo e as responsabilidades sempre em primeiro lugar, o que ninguém sabia, o verdadeiro motivo da promessa, medo. O medo a perseguira desde pequenina, sempre estivera com medo da mãe, do pai, dos irmãos, medo do seu futuro, não corresponder os ideais da mãe, não cumprir com o desafio dos irmãos e o pior não ser o que ela mesma sonhara. Ser um desastre ela pensava e ainda pensa. Com o sentimento trancado, amava escondido, sentia as borboletas no estômago e não passava disso, fizera dezesseis anos, estava livre da sua promessa, podia agora amar.
Sentia um carinho especial por um jovem, alguns anos mais velho que ela, estudavam no mesmo colégio, nunca irá se esquecer do primeiro dia de aula que entrara na porta e ele saia, sentiu naquele momento algo diferente, como se ele estivesse iluminado por uma luz amarela e a partir de então o sentimento começou a crescer. Durante nove meses gostou dele escondida, sem ninguém saber, sem ele saber que ela existia. Depois de três anos gostando do rapaz, num momento que estava decidida a esquecer dele, após ter passado na faculdade mesmo ainda cursando o último ano do colegial, saíram como amigos e o beijo, o primeiro beijo da donzela aconteceu. Depois disso não falara mais com ele, entrou numa imensa tristeza e começou a se definhar, começou a faculdade, parou, ficou tempos sem estudar e então voltou. Apaixonada novamente por um outro ser que na verdade só sabia brincar com a cara dela, entregou-se aos estudos, continuava com os mesmos medos com alguns outros acrescidos ao longo dos anos. Era dedicada, amiga. Sempre com um sorriso no rosto e disposta a resolver os problemas do mundo, mas trancada em seu quarto ninguém percebia que ela também os possuía, não se incomodava com o fato das pessoas não enxergarem ela como um ser humano normal, gostava muito do fato das pessoas confiarem nela e enxergarem como uma amiga para todos os momentos, sempre sorrindo e saltitando.
Até que depois de se formar, sem pensar nem querer se apaixonar, algo acontece e ela se encanta pela pessoa que mais era o seu amigo, por aquele que achava brega, mas que sempre ouvira os seus sonhos, saiam juntos, riam juntos, brigavam. Ela com o seu charme e sua vontade de tornar aquele sentimento algo real não poupava nada para demonstrar o seu afeto. Nada aconteceu, perdera o amigo. Se fechara num mundo distante, longínquo trancada na torre mais alta do castelo que criara. Tentou viver a sua vida, descobrindo coisas que nem sabia que existia, muitos amigos cultivados na última década viraram as costas para ela, não conseguiam enxergar o profundo sofrimento e o acúmulo de tristezas nos olhos castanhos e sinceros. Foi descobrindo novas pessoas, novos lugares e novos sentimentos, em meses tivera feito amizades profundas, onde as pessoas conheciam ela por ela, não pelos seus dotes ou suas façanhas, mas ela.

Só que ela mesmo com pessoas novas continuava a sentir o peso, o vazio, o abismo que existia entre o mundo real e o dos sonhos, sabia que era um fracasso para mãe e um estorvo carinhoso para o pai. O que acreditava nela era seu irmão mais novo, eram como gato e rato, brigavam a todo o segundo mais sabia que um era o porto seguro do outro. Fora presenteada pelos irmãos com quatro belas crianças e ouvia de todos que havia ficado para titia, não sabiam eles como aquela chacota doía nas mais profundas entranhas do seu ser, não sabia as marcas que aquilo deixava a cada dia que se passava. Eles e a vontade de não se decepcionar eram o seu motivo de viver, sonhava com presentes belos para eles, com viagens, escolas, mas a única coisa que podia dar era carinho. Resolvera voltar a estudar, fazer o bem para o próximo, estava cansada de proporcionar com o seu trabalho coisas bonitas, caras e gostosas para as pessoas mais ricas da sociedade, enquanto via crianças na rua mendigando um prato de comida e um pouco de atenção. Seus olhos agora enxergavam coisas que nem mesmo ela se tocava que existia, por mais que fosse uma pessoa boa, durante muito tempo vivera presa nas suas agonias e nas dos mais próximos e se esquecera que o mundo era e é muito maior.

Fora cultivando as amizades novas, regando a cada dia com palavras e gestos de carinho. Cada dia a mais o vazio a atormentava, remexia-se na cama, tomava banhos demorados viajando nas suas mais malucas teorias. Saia pela cidade olhando o azul do céu e o branco das nuvens, vendo os semblantes de estranhos e se entristecendo com a realidade que a atormentava. Sentia-se cada vez mais impotente e os medos já eram seus pesadelos que lutava para não tomarem conta da sua vida.

Um dia, quando menos esperava algo de diferente aconteceu. Com palavras que saltaram da sua boca do jeito mais simples e verdadeiro, sem saber das conseqüências que aquilo iria lhe causar, falou sem pensar.

Hoje ela lembra com carinho, tensão, raiva, medo de tudo e de todos.

Questiona-se: - Onde foi que eu errei?
Qual escolha fora tomada erroneamente, num impulso egoísta de pensamento, mas só consegue sufocar-se em meio as lágrimas.

Recorda-se da imagem do rosto que a fizera pensar nesses momentos, está um tanto nublada no seu muno de relíquias sentimentais. Sente o vento soprando, não quer mudar de lugar, não quer encontrar um porto para ancorar seu barquinho, nem mesmo encontrar alguém que suportasse dividir com ela suas angústias e seus temores.
A campainha toca, acorda ensopada por suas lágrimas e amargurada pelos seus devaneios. Recebe um carta e abre.

Somos apenas estranhos num mundo de conhecidos.