Sobre-Vida
“Hoje pode ser o último dia da sua vida!”
Ele não sabe, nunca poderia saber. Às mentes humanas ainda não foi dado verdadeiramente o poder de prever o que está por vir. Será algum dia? Talvez. Driblar o acaso ou destino talvez não seja tão interessante quanto se submeter a eles. É com esses pensamentos na cabeça que ele sai da casa hoje, fones de ouvido ligados, desafiando o que está por vir.
O caminho que percorre, a pé, é conhecido. Ele o faz sem pensar, sem refletir. A música embala seus passos, mas ele também não lhe dá muita atenção. Sua mente repassa as palavras ouvidas de manhã que o despertaram do sono, acordando-o para o dia. O locutor da rádio dizia: “Hoje pode ser o último dia da sua vida!”. As palvras martelavam sua cabeça, indo e voltando, misturando-se ousadas em seus pensamentos. As mensagens as vezes são difíceis de entender.
Ele está parado no farol agora. Os carros passam velozes num tráfego ininterrupto. Ao redor, a cidade pulsa. Se parar fosse possível, sentiríamos o calor da sua respiração. No fone de ouvido a música não pára. Olha do outro lado da avenida as pessoas que, como ele, esperam ansiosas o farol fechar para poder atravessar. Confere o relógio. Está atrasado, mas ele não liga. Hoje só pensa na frase que o despertou.
O farol fecha. Os carros param. As pessoas começam a atravessar apressadas. Ele segue o fluxo. Na outra calçada uma pequena confusão chama-lhe a atenção. Uma pessoa encontra-se parada. Ele se aproxima e pode ver agora que o velho senhor tem o olhar perdido. Intrigado, tenta seguir-lhe o olhar mas não vê nada de especial. Os olhos daquele homem parecem enchergar o infinito.
Ele alcança a calçada. O velho senhor encontra-se parado à sua frente. Caminha calmamente, no ritmo da bossa e exatamente no momento em que passa ao lado do homem inerte, uma súbita decisão o faz parar. Virando-se ele pergunta:
- Senhor, está tudo bem?
O homem pisca. Uma reação.
- Senhor?
- Oi... O que?
O velho senhor parece haver acordado de um sonho.
- O senhor está bem?
Os olhos se encontram e ele sente o peso dos anos que estes viram passar. Um brilho húmido denuncia emoções fortíssimas e um coração tomado por violentas tormentas.
- Sim... Estou sim... Me desculpe. Eu estava aqui esperando o farol fechar e, de repente...
Parou, como que buscando as palavras corretas. Ou a coragem.
- Senti um vazio tão grande no peito... Não sei o que aconteceu comigo, mas eu pensei: “Estou aqui parado nesse farol, a poucos metros do trabalho, e se morresse agora, nesse exato momento, que sentido teria tido a minha vida? Que histórias minha família, meus amigos, contariam de mim?” Não sei mas a resposta me pareceu tão difícil.
Olhando para o velho senhor ele pensa que hoje sabe exatamente sobre o que ele está falando.
- Eu acho que entendo o que o senhor está dizendo.
- Verdade? Pois então entenda isso: Não deixe que a vida te atropele e você acabe se esquecendo daquilo que realmente importa. Hoje poderia ser o último dia da sua vida e me diga: O que você fez com ela?
O senhor o olha por um segundo. Um olhar profundo, que lhe fala à alma. Ele entende. Um sorriso brota nos velhos olhos cheios de força.
- Adeus.
- Obrigado.
ABRAÇOS!!!!