Conto da Separação..
O céu pintara-se de uma mistura de cores quentes enquanto se despediam. Ela não sabia quando o veria de novo e isso a afligia profundamente. Tratou de aproveitar cada segundo daquela despedida como se um encontro como aquele jamais acontecesse de novo. Reparou em tudo: No brilho dos olhos dele, o calor do seu corpo, o perfume que usava, o céu, as pessoas que passavam ao redor, os carros na rua, tudo enfim. Considerou seriamente a possibilidade de visitar aquele instante de novo, muitas vezes, quando num futuro talvez não muito distante um cientista louco qualquer encontrasse os caminhos secretos de voltar-se no tempo.
Terminados os carinhos de adeus e os gestos tristes de até logo, afastaram-se. Contando cinco passos exatos e já não resistindo mais, parou. Queria ser forte, mas o punhal que carregava no peito ameaçava entrar fundo, ferindo mortalmente um coração rendido de amor. Vagarosamente virou-se. Vinte passos à frente talvez, cercado por densa névoa, divisou seu ponto de luz que se ia. Esperou ali parada. Queria ver-lhe voltar-se para ela uma última vez. Sentir o calor aconchegante do seu sorriso. A luz apagou-se. Ele se foi. Nem deu-se conta do feixe úmido que cortou-lhe a face.
Momentos antes, não muito longe dali, uma cena semelhante acontecia: ele olhava nos olhos dela com carinho, mas sentia dentro de si que algo estava errado. Sentia-se violando alguma lei antiga ao tocar o seu rosto, beijar os seus lábios. Desejou subitamente entender de onde vinha esse sentimento e descobriu-se incapaz de responder a suas próprias dúvidas.
Despediu-se dela e tudo que conseguiu sentir ao vê-la virar-lhe as costas foi uma dor estranha no coração. Ficou parado vendo-a distanciar-se e desejou mirar seus olhos uma última vez. Teve a certeza de que em um dia, num futuro possivelmente muito próximo, sentiria um arrependimento avassalador quando dessa tarde se lembrasse. Pensou não ser capaz de dar um único passo numa direção que não fosse a dela.
Viu-a desaparecer em meio à multidão e só então virou-se. Cinco passos adiante a mão no bolso direito da calça alcançou o telefone celular. O primeiro número na memória era o dela e ele teve de segurar-se para não chamá-la. Sentia-se um idiota por já sentir saudade de sua voz. Com esforço tirou a mão do bolso. Não queria despir-se dessa forma.
Caminham agora pela mesma rua. Ela, fones de ouvido ligados pensa em quando veria seu amor de novo. Ele, olhos no chão, conta os passos que o afastavam daquela que era dona de seus mais íntimos pensamentos. Param os dois no mesmo ponto e pegam exatamente o mesmo ônibus, sentando-se lado a lado, no mesmo banco. Ele lê um livro. Ela ouve música. Sentem-se sós, engolindo juntos sem o saber, o gosto amargo de não se ter o que se deseja.
Ele desce um ponto depois dela. Põe os pés em casa e pensa que um dia talvez encontrará alguém como ele. Talvez na rua, num ponto de ônibus, talvez no banco ao lado. Ela, sentada no sofá, os olhos vazios na televisão, inevitavelmente, pensa o mesmo.