Sonhos Platônicos

segunda-feira, abril 30, 2007

Incompleto...

Tivera na vida poucas desilusões que valessem à pena ser relembradas. Poucas vezes sentira-se mal de verdade por algum motivo externo a si mesmo. Poucas vezes sentira-se só, como que abandonado num mundo estranho. Não sabia dizer, caso perguntado, o significado concreto da palavra solidão. Lia livros, ouvia músicas. Assistia a filmes que falavam do amor, da saudade, da desilusão que é confiar e entregar-se a alguém. Achava tudo muito bonito, muito triste, mas não entendia o que aquilo significava realmente. Acreditava que na vida era dado ao homem escolher amar, ou não amar. Confiar ou não confiar. Entendia que, a partir do momento em que havia a escolha, havia também a certeza de que sofrer por alguém era uma mera questão de falta de tato. Falta de sabedoria.

Orgulhava-se de ser sábio, de ter o total controle sobre suas emoções. Sua vida lhe pertencia e a ele só. Jamais acordara à noite sentido a necessidade de alguém. Era inteiramente alto suficiente e sentia-se bem por isso. Tinha o coração forte como o aço e sorria frente ao espelho quando via em seus olhos a certeza de que jamais veria sua vida contada em uma telenovela, um livro, uma música qualquer. Não queria ser um exemplo. Queria ser único, diferente de tudo e todos.

A última vez que o vi, a alguns anos atrás, estávamos os dois sentados numa mesa de bar. Frente a frente, conversávamos banalidades e ele me falava, não sem certo brilho nos olhos, que se descobrira um homem completo por não ter a mínima vontade de ser algo além daquilo que aprendera a ser com o passar dos anos. Tinha-se em alta conta.

A certa altura da conversa me perguntou como estava, o que eu vinha fazendo da minha vida. Disse-lhe que estava bem, que a vida era ótima apesar dos desencontros que a povoavam. Ele riu. Sabia de que tipos de desencontros eu falava e isso, mais uma vez, só o fez ter ainda mais certeza de que estava certo. Contos de amor são para homens fracos, incompletos. Zombou de mim dizendo que um dia eu descobriria o quão idiota havia sido e que, então, seria tarde demais para qualquer tentativa de mudança. Eu me calei.

A conversa acabou aí. Ficamos ainda alguns minutos calados, olhando as pessoas que passavam ao redor: homens, mulheres, casais. As pessoas não entendiam que não se deve confiar uns nos outros. Não sabiam do mal que provém do coração e das peças que esse pedaço maldito de si mesmas pregava. Não conheciam o verdadeiro perigo por trás de um simples olhar delicado, uma palavra de carinho, um gesto de saudade. Amavam-se perigosamente.

Pagamos a conta, nos despedimos e saímos. Lembro-me de observá-lo enquanto ia embora: Um homem completo, forte, orgulhoso. Uma pedra de gelo em forma humana. Caminhei para casa me sentindo incompleto, fraco. Feliz.