Sonhos Platônicos

domingo, março 12, 2006

O menino e eu


Certa vez desceu dos céus um Deus
Não o Deus Criador, mas o Deus Filho
Ele trouxe a paz e o infinito
Trouxe o amor e a Sua glória sagrada

Mas não veio como um Deus onipotente
Veio como algo mais que uma criança
E menos que um adulto qualquer
Era abençoado e belo
Uma criança nem calma nem danada
Era somente normal e normal era
Um bom menino apenas comum

Mas de vez em quando o pegava por aí
Roubando frutas dos pomares vizinhos
Fazendo o gado mugir de espanto
Indo a lugares proibidos e vendo de tudo
Quando o surpreendia ficava assustado
E com sua doce voz me consolava
De meus triunfos tentados e a pouco feitos

Como era tolo eu; mas com Ele ninguém deve
Pois é um Senhor muito grande e bom
Tal como convém a mim se calar diante de tal
Ele é um Deus forte, e eu alguém que relata em papel
Relata algo sem valor e importância, um espelho
Faço refletir o que já existe e invento o impossível
Cabe a mim ser eu e estar dentro de mim sempre
Compor uma vida sob minhas maiores dores
Fazer de minhas fantasias desejos completos
E não falhar novamente quando escrever um final para meu poema

Mas quando o menino me trouxe um broto
Era broto de algo; feijão, milho, alface…
Veio a mim como se eu fosse um Rei sentado em seu trono
Abriu sua pequena e barrenta mãozinha
Do indicador ao mindinho, oh tão frágeis!
Mostrou-me então aquele broto selvagem e puro
Mas era somente uma plantinha nova e delicada
Com suas pequenas raízes ainda sujas pela terra
Aquelas folhinhas ainda crespas e de cores fortes
Era um legume… ou não, era a vida...

Ele desejava que eu visse como é lindo o que Deus dá
Uma vida! Sim, uma vida! Cheia de escolhas
Eu posso fazer dela um tudo, um grande além
Oh, como é frágil e delicada a vida, como é cheia de cores
Como é cheia de pureza e… e de vida
Desde o momento de nascer, é um dia a menos para se ir
Agora eu sei, sei disso, sei o que ele quisera dizer…

Um dia Ele se foi, sumiu dentre as nuvens e nunca mais voltou
O amei tanto como um filho que nunca tive
O amei tanto como um Pai que me faltou
Não que esteja reclamando, mas Ele completou os espaços vazios da vida
Serei sempre grato por Ele ter-me mostrado o broto
Por Ele ter-me dito da vida e do ser
Aprendi a amar e a ser sempre aceito
Ele foi a alma que já não mais vivia aqui dentro
Foi o Ser frágil, por ser fácil de se ir
Mas somente me contento com o Seu enorme poder
É um Deus, é o tudo e somente isso

De agora à sempre serei capaz de ser
Quando ele desceu dos céus minha vida lançou-se ao mundo
Quando comigo ele conviveu fui um algo de esperança e amor
Comecei a escrever um poema sem fim, tão belo e alegre
Quando ele caía, eu o recolhia…
Quando eu chorava, ele me dava vida, amor…
Quando ele chorava, somente secava suas lágrimas e…
E logo ele estava bom, pois era criança, rápido e facilmente voltava a viver
Quando eu perdia a esperança, ele me acolhia e me beijava
Nós éramos um só, eu a carne e ele a alma
Até o dia em que as nuvens o chamaram, e Deus rogou seu nome
Quando ele partiu minha vida cessou
Parei de escrever o poema infinito
Mas só então pude perceber que ele queria que eu o amasse
E que acima de tudo o esperasse com confiança, o seu retorno

Desde então recomecei a escrever
E escreverei até o dia que puder escrever
Até o dia em que Ele botar Sua mão em meu frágil coração
E disser que não mais preciso gastar minhas últimas folhas
Pois Ele mesmo entoará palavras doces de uma vida batalhada
Depois o meu livro será guardado
E aberto quando Ele achar que deve ser aberto
Aí eu não mais me conhecerei
Aí terei eu uma nova história a contar
Um novo poema a fazer
Com um único detalhe devaneio:
Esta longa e nova história
Será escrita entre as casas dos anjos
Sobre o colo confortador de Deus
Sentindo a brisa do esvoaçar do Espírito Santo
E sim, na presença do menino...
Que agora é Deus